terça-feira, 5 de janeiro de 2010

FILOSOFIA PARA CRIANÇAS


FILOSOFIA PARA CRIANÇAS


Nilson Santos
Professor de Filosofia e História da Educação
nilson@unir.br


A década de 60 representa para a Escola Nova uma interrupção abrupta no que tange ao seu apogeu e esgotamento, pois o Golpe Militar de 64 pretendia representar o fim do debate pedagógico, ao instalar o tecnicismo como pedagogia oficial. Portanto a agonia do Regime propiciou o rompimento da padronização imposta na educação e o retorno do debate pedagógico fundamental à inteligência, e, por conseguinte, supérfluo ao imaginário burocrático-militar.

A década de 80 parecia representar para o Estado, o início do fim dos modelos autoritário e burocrático, revividos nos anos atuais sem a truculência da ditadura, mas impregnada de prepotência e tecnicismos.

As políticas públicas da época desgastadas pelo clientelismo, pelo favorecimento ilícito, pela incompetência, pelos megaprojetos, que trouxeram mais problemas que soluções, somadas à crise do petróleo e ao fim do milagre econômico mantido com empréstimos do exterior, obriga o governo a fazer concessões, a permitir uma maior participação da sociedade civil nos destinos do país.

Neste período, muitos setores da sociedade organizada pressionavam. Se por um lado temos o governo exaurido de projetos de qualidade, de poder político e econômico, mergulhado numa “escola” de corrupção acobertada pelos militares (cujos “alunos” mais aplicados aparecem diariamente nos jornais), por outro temos a sociedade civil disputando o loteamento dos espaços existentes, fracionando o poder político através da eleição de lideranças mais democráticas, ao menos ampliando o poder da fala e da contestação, diminuindo a distância entre Estado e Sociedade, poder e povo.

A educação militarizada tem um comportamento semelhante. A proposta tecnicista imposta por militares de competência duvidosa, pedagogos iludidos com o poder, e advogados (que dispensam adjetivos) dedicados a legislação do ensino, trouxe muito mais desvios que resultados satisfatórios: a febre legiferante criou uma teia de leis que buscava modelar a atuação do professor (chegando ao absurdo de “sugerir” a roupa que deveriam usar) retirando-lhe a autoridade e a dignidade (o professor da famigerada disciplina de Educação Moral e Cívica só estaria habilitado se conseguisse atestado de “bons antecedentes” na delegacia mais próxima, ou seja somente os mais alienados ou os cães de guarda do regime estariam aptos).

Tudo o que não estivesse de acordo com a tecnocracia era ilegal. Este modelo de ensino revelou a incapacidade de lidar com o ensino ou a efetiva despreocupação com ele, uma vez que foram criados diversos cursos profissionalizantes com a ausência de laboratórios (ou quando existentes, os equipamentos eram obsoletos), com falta de professores capacitados, ou ainda cursos incompatíveis com a região. A capacidade criativa é banida, pois, oficialmente o que não nascia do poder era subversão a ele.

É a partir desse sistema desmantelado, que surgem discussões, buscando recuperar o tempo perdido. O debate pedagógico reaparece com vigor, deixando de ficar restrito ao ambiente universitário.

Neste instante retoma-se a discussão acerca da volta do ensino da Filosofia no 2º grau. Surge, em 1984, a Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas - SEAF; em 1985 acontece o I Encontro Estadual de Professores de Filosofia em Santos - SP. O Departamento de Filosofia da USP começa a se preocupar em organizar cursos de reciclagem para os profissionais atuarem no 2º grau, já que durante o militarismo sua atuação se restringiu ao ensino de Filosofia nas Universidades e nos Seminários Religiosos.

Dentro deste contexto de desconfiança no passado, confiança hipotética no futuro e incertezas no presente, a Filosofia renasce para as escolas públicas de 2º grau. Nos debates que se sucederam algumas instituições de renome como USP, PUC-SP e PUCCAMP, se agregam defendendo a volta da Filosofia no 2º grau.

As preocupações e os cuidados neste momento são redobrados, afinal deixava-se o "fim do túnel" e eram sentidas ações que buscavam mergulhar novamente o país na linha dura; como a explosão de duas bombas no dia 30 de abril de 1981, num show comemorativo ao Dia do Trabalho, onde morreram dois membros do exército, além da forte recessão e o alto índice de desemprego destes anos girando em torno de 28,4%, alimentando as incertezas e as avaliações mais pessimistas.

Dentro deste contexto chega ao Brasil o Programa de Filosofia Para Crianças, surgindo o Centro Brasileiro de Filosofia Para Crianças - CBFC, fazendo nascer a mais bem estruturada proposta não governamental de educação reflexiva, voltada para crianças da História da Educação Brasileira.
O grande desafio dos promotores do Programa, no Brasil, parecia ser primeiramente a resistência que os educadores e filósofos brasileiros mantinham com o que "vinha de fora", especialmente dos EUA.

E não era por menos. Os acordos MEC-USAID destruíram grande parte do potencial crítico e criativo da universidade; chegando nos dias de hoje onde os cursos são cada vez mais técnicos e menos reflexivos.

O Programa de Filosofia Para Crianças surgia na contra-mão do momento de auto-afirmação da sociedade civil brasileira. Porém, a persistência e a ousadia tornaram evidentes os propósitos dele preocupados em discutir temas de conteúdo existenciais fundamentais ao homem do nosso tempo, garantindo às crianças, desde tenra idade, a possibilidade de buscar bases significativas para a vida, buscando respostas para perguntas que os adultos há muito deixaram de fazer: VIVER PARA QUE?

Este método parte do pressuposto de que as escolas vêm tendo grande preocupação com os conteúdos escolares, em detrimento de fortalecer nos alunos uma série de habilidades de raciocínio, que são fundamentais para vida e também para a aprendizagem.

Estas habilidades envolvem a nossa capacidade de pensar de forma ordenada, coerente, criativa e auto-corretiva.

A escola continua a estar apoiada basicamente na memória como instrumento de aprendizagem; quem não se lembra das noites decorando tabelas de verbos irregulares de inglês, os elementos da tabela periódica, os títulos e autores das obras da literatura, as datas e vultos - ou visagens - da história. Os exercícios ou as experiências realizadas pelos professores (como se fossem inovações pedagógicas) têm como objetivo a assimilação da matéria, em nada diferente da memorização. Em alguns casos são permitidas pelos professores algumas construções ou associações livres, porém, o aluno não desenvolve seu próprio juízo acerca das coisas, nem consegue entender os nexos entre os conteúdos, pois não pode ultrapassar a matéria dada pelo professor.

Neste sentido, o Programa de Filosofia para Crianças, pretende justamente propiciar aos alunos uma série de discussões de cunho filosófico, onde o fundamental é ser crítico, ser inventivo, viabilizar alternativas, estabelecer cooperação intelectual, exigir razões, explicitar os sentidos, e comprometer-se com uma forma de pensamento que seja auto-corretiva pelo diálogo.
Educar implica em aprender e fazer, em fazer e pensar, em compreender e justificar, em dizer e construir, em buscar e discordar, em criar e destruir. Mas como ninguém consegue ensinar o que não aprendeu, o caminho ainda parece longo. http://www.primeiraversao.unir.br/artigo8.html

Primeira Versão - UFRO

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